Lia Assumpção http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br Lia Assumpção é designer, mestre em Arquitetura e Design pela FAU-USP, curiosa dos assuntos relacionados a consumo e sustentabilidade. Sun, 22 Mar 2020 07:00:41 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O kindle e o homem de couro http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/03/22/o-kindle-e-o-homem-de-couro/ http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/03/22/o-kindle-e-o-homem-de-couro/#respond Sun, 22 Mar 2020 07:00:41 +0000 http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/?p=143 Minha amiga Giu, analógica como eu, rendeu-se ao Kindle, depois de alguns conflitos internos… Kindle é aquele aparelhinho que pode substituir livros de papel. Somos unidas pelo analógico, porque sentimos prazer em ver o livro sendo percorrido pelo marcador, e eu, particularmente, adoro poder grifar com lápis e voltar para as páginas marcadas com post-it.

Mas sim, o Kindle tem vantagens, admito: você pode baixar muitos livros sem que eles pesem (como pesariam se fossem de papel), além de poder consultar dicionários e uma porção de outras coisas… Ele não é a coisa mais barata que você pode comprar, mas também não custa o preço de uma casa, como diz uma amiga.

Enfim, Kindle em mãos, ela se entregou e foi feliz. Depois de uns dez dias de uso, ele não ligou mais. No telefonema com a assistência técnica, o atendente, sem surpresas, disse “claro, ele ainda está na garantia, te devolvemos o dinheiro e você compra um novo” ao que ela disse “que ótimo e pra onde eu mando esse equipamento que não funciona?” ao que ele respondeu “não precisa, pode descartar”. Oi? “Mas, moça, vocês não se responsabilizam, não coletam o aparelho? vai pro lixo assim?” (minha amiga tentando uma resposta mais racional…) “A gente indica alguns endereços, mas a senhora que tem que levar. Se não quiser, não precisa” (atendente seguindo a política da empresa dentro da lógica vigente do compra-usa-descarta).

Ela lembrou de mim, me escreveu contando, sabendo que viraria um assunto aqui, afinal é meu assunto de interesse e as pessoas sempre acabam lembrando de mim quando essas coisas acontecem.

De novo, perguntas vêem à minha cabeça: Como pode custar tão barato a ponto de ser assim descartável? Será que esse defeito é muito frequente e por isso eles já estejam assim tão habituados? E se esse defeito é assim tão frequente, por que será que eles não consertam, corrigem no próximo modelo, fazem um re-call?

E o homem de couro? É a tradução livre do nome de uma marca de canivetes/ferramentas americana que se chama Leatherman. Coincidentemente, uns dias depois de receber as mensagens da Giu me contando o caso do kindle, conheci essa marca porque ouvi de um outro amigo o depoimento de que seu canivete tinha chegado. “De onde?” “Da fábrica. Essas ferramentas são feitas para durarem para sempre e, se qualquer coisa acontecer com elas, você vai na loja que comprou, ela manda de volta para fábrica que conserta e te devolve, você paga só o custo do correio”.

Diferente, não? Diferente porque um opera na lógica do compra-descarta-compra e outra na lógica de que todos temos uma responsabilidade compartilhada sobre produtos e que é possível produzirmos de outra maneira.

Fui fuçar na marca e eis que o canivete é quase o MacGyver em forma de canivete. Tem alicate, tem faca, tem chave de fenda… loucura. MacGyver é o nome de uma série de TV mais pro antigo, tá? Mas, enfim, o protagonista que tinha esse nome, conseguia sair de qualquer armadilha e resolver qualquer problema com apenas um fósforo, ou apenas uma chave dessas de abrir porta mesmo…

As Leatherman são esse personagem em forma de ferramenta. Ainda mais que no site deles, tem um vídeo contando a historia da marca e do senhor (homônimo) que a inventou. Tem também histórias de americanos que foram salvos pela ferramenta, mas essas me comoveram menos do que a de como ele foi inventado: numa viagem de baixo custo que fez com sua mulher pela Europa num fiat 400, ali pela década de 1970. A mecânica do carro era simples, e ele mesmo consertava o carro nos muitos quilômetros que percorreram. E o canivete era ali peça-chave, mas ele voltou com vontade de que o canivete tivesse também um alicate. Esse foi o mote, e é a diferença dessa Letherman para um canivete daqueles vermelhinhos que a gente está acostumado: ele conserta carros.

No meu mundo ideal, consertaríamos carros, chaleiras elétricas e impressoras; poderíamos ter a escolha de consertá-las e mantê-las conosco o tempo que achássemos justo. Não jogaríamos fora, porque não tem peça ou porque o conserto é caro.

Achei curioso acessar as duas histórias num curto espaço de tempo, por isso a comparação. Quando penso nelas, fico com a resiliência de que o mundo funciona como o Kindle, e com a esperança de que tem gente imaginando outros mundos como o do Letherman, que é apenas um exemplo, entre muitos que tentam escapar da lógica vigente.

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Todos somos designers ou design para todos http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/03/15/todos-somos-designers-ou-design-para-todos/ http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/03/15/todos-somos-designers-ou-design-para-todos/#respond Sun, 15 Mar 2020 07:00:53 +0000 http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/?p=137 Recebi semana passada o link de um texto que leva o título de “O lixo é um problema enorme. A reciclagem não é a solução”. Basicamente, o texto diz que a reciclagem é o sintoma de um sistema todo errado: o sistema linear do consumo e descarte (oposto ao circular), que tem por característica principal a descartabilidade das coisas. E tem dados: “De acordo com o Banco Mundial, produzimos 1,4 bilhão de toneladas de resíduos por ano em todo o mundo; e esse número deve aumentar para 2,4 bilhões de toneladas até 2025.”

O texto fala do lixo, do ponto de vista do design. Uma parte dele leva o nome de design centrado no usuário que é guiado, de maneira geral, por quatro ideias: concentrar-se nas pessoas; resolver o problema e não os sintomas; tudo faz parte de um sistema: desenhar/projetar para o sistema; criar protótipos, testar e refiná-los para que sejam eficientes. 

Reciclagem é pensada para o usuário? É uma das perguntas feitas e respondidas ali: Não. Não porque a reciclagem não é um processo simples em nenhuma das suas etapas: nem na parte da separação do lixo, nem na parte da destinação correta e nem na parte das indústrias mesmo que tenham essa tecnologia. São muitos materiais e muito tipos de processos de reciclagem diferentes.

Então, sendo a reciclagem um sintoma, o sistema todo é que deveria ser modificado, de maneira a não precisar da reciclagem. Como quando você tem uma lesão por algum movimento que repete sempre e toma remédios para aliviar a dor; na verdade, você deveria corrigir sua postura ou modificar a maneira como faz determinada coisa para evitar que a dor aconteça e não precisar tomar remédios (ia citar um exemplo de gripe mas como só se fala em corona, resolvi preservar o ambiente aqui…)

A palavra design poderia ser traduzida literalmente como desenho, mas para a profissão, fica pouco; porque ela deveria significar também projetar. Existem muitas definições de design, mas uma mais oficial, é a que o define como “o estratégico processo de resolução de problemas que impulsiona a inovação, constrói o sucesso de um negócio e leva a uma melhor qualidade de vida por meio de produtos, sistemas, serviços e experiências inovadoras”. Diz ainda que designers valorizam (ou deveriam valorizar) o impacto econômico, social e ambiental do seu trabalho, contribuindo para a criação coletiva de uma melhor qualidade de vida.

Designers desenham coisas e quase todas as coisas que usamos, foram desenhadas (por designers ou não designers). O ponto todo é que se pensarmos nos produtos sistemicamente, deveríamos pensar no seu descarte. Na verdade, deveríamos pensar no seu NÃO descarte; em como incluí-lo no início de um novo processo, talvez…

E porquê eu falei tudo isso aqui? Porque tudo que a gente interage no mundo foi eventualmente desenhado por alguém. Gosto muito de um povo que acredita que todo mundo é um pouco designer; que quando você muda a posição dos móveis da sua sala, quando monta um carro de lego com seus filhos ou arruma os arquivos do seu computador, você está ali tocando em design de alguma maneira. Isso não desmerece quem é profissional na área e nem torna a todos designers profissionais. Mas nos dá uma ideia de que nessa interação, podemos provocar mudanças em alguma parte do processo.

Tem uma outra área (mas que na verdade também faz parte do cerne da profissão, uma vez que objetos de design são sempre feitos para a sociedade) que é a função social do design. O livro que leva este título, O papel social do design gráfico, de Marcos da Costa Braga, tem uma frase que sempre penso que é: se cada um se conscientizar de sua função social e exercê-la de maneira ética e eficaz, estará contribuindo para uma sociedade melhor.

Pra mim, função social é uma outra maneira de dizer: prestemos atenção uns nos outros e pensemos uns nos outros quando decidirmos coisas. No mundo do design, isso está na escolha de materiais, está na maneira como o produto será pensado para durar ou não durar, em como as pessoas o usarão, entre uma porção de outras coisas… E em cada profissão, ela se dá de um jeito.

Não acho que o design vai salvar o mundo (nem nenhuma outra profissão), mas acho somos muitos, atuando profissionalmente, ou não, difundindo uma visão mais sistêmica das coisas. E se ideias de sistemas que gerem coisas positivas para todos estiverem presentes em alguma parte dos processos todos de trabalho por aí, poderemos atacar problemas e não sintomas, para usar os termos do texto que li. Onde estão os pioneiros que ajudarão a virar o script em nosso mundo descartável?

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Um eletrodoméstico para chamar de seu http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/03/08/um-eletrodomestico-para-chamar-de-seu/ http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/03/08/um-eletrodomestico-para-chamar-de-seu/#respond Sun, 08 Mar 2020 07:00:37 +0000 http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/?p=128 Costumo dizer que todo mundo conhece obsolescência programada, ainda que não saiba seu “nome”. A prática de ser mais fácil (ou mais barato) comprar algo novo do que tentar consertá-lo é totalmente naturalizada na nossa vida contemporânea. E esse é o principal “sintoma” da obsolescência programada. 

Na prática, você pode pensar em algum produto que acabou de comprar porque não conseguiu consertar o que tinha antes. E desde que comecei a estudar e falar bastante desse assunto, coleciono histórias de produtos. 

Fazia tempo que não me acontecia, mas semana passada um amigo indignado veio me contar que a sua chaleira elétrica, companheira de anos, tinha tido o botão quebrado e parado de funcionar. E que ele tinha telefonado para diversas assistências técnicas atrás do modelo dela para tentar comprar um novo botão e trocá-lo (uma vez que as resistências dessas cafeteiras costumam ser resistentes, para fazer um jogo de palavras). Em vão. Sem botão pra ele. Sem jeito de utilizar a chaleira sem se queimar. E, mesmo indignado, ele teve que se render, comprar uma novinha e se desfazer da antiga.

Uma outra conhecida declarou seu ódio por mim uma vez, porque tinha consertado seu forninho elétrico umas 4 vezes. Ele seguia quebrando, mas ela não conseguia desistir de consertá-lo por conta das nossas conversas. Libertei ela da prisão e não tive mais notícias. Esperemos que tenha um novo forninho em casa e não me odeie mais.

Tem gente também que ri, que fala, claro! Secador de cabelo! Uma amiga de cabelos longos, com filhas de cabelos longos, me conta que secadores de cabelo duram pouquíssimo na sua casa graças ao uso diário.

Tem também gente que identifica formas mais malévolas: o moço compra fast food para os seus filhos por conta dos brinquedinhos (quem nunca?) e quer que eles durem… Mas a bateria acaba e ele não consegue trocar porque a chave que abre o compartimento de baterias é triangular, e ele não tem na sua caixa de ferramentas, porque é específica para aquele produto. E, se você tenta com sua chave allen ou phillips, ela espana o buraco do parafuso e adeus chance de abrir aquela portinha para trocar suas baterias.

Isso sem falar nos celulares que quebram a tela ou ficam desatualizados, nos computadores ou tablets que eventualmente trocam os carregadores e saídas, e você tem que renovar toda uma gama de cabinhos e coisinhas que viram lixo em seguida. 

Eu também tenho um equipamento “modelo” de obsolescência programada para chamar de meu: uma impressora. Depois da vitrola, que levou todos os vinis de casa e me chocou (conto isso na coluna), veio a impressora. Sou designer, por isso um dia cansei de pagar a gráfica rápida e decidi que ia investir em uma impressora muito boa, para não gastar mais em pequenas impressões. Pesquisei, parcelei, comprei. Pensei que nós duas (eu e a impressora) ficaríamos juntas pra sempre. Só que não foi assim. Um dia, uns 3 anos depois de tê-la comprado, ela quebrou. Descobri que as assistências técnicas oficiais da marca da minha impressora ficavam longe da região central de São Paulo. Não me conformei e liguei lá para perguntar: “Só tem assistência técnica oficial longe do centro mesmo? Não tem nenhuma mais perto da região central da cidade?”. A atendente me respondeu que era isso mesmo, que se eu quisesse muito consertar teria que ir longe. 

Repeti a pergunta algumas vezes, na esperança de ela lembrar de uma unidade. Mas uma hora ela disse: “A empresa não investe em assistência técnica”. Oi? Ah, me indignei. Aquela impressora cara estava quebrada, as impressões saíam ruins, eu queria consertar na assistência técnica oficial, mas era longe e difícil — e certamente seria caro. Ainda tentei algo meio assim: “Então, a ideia é mesmo que seja difícil consertar para eu comprar uma nova?” Era uma pergunta retórica. Ela me perguntou se podia ajudar em mais algo, eu disse que não e tivemos todas um bom dia. 

Moral da história: comprei uma impressora nova, porque o preço de consertar a que achei que duraria a vida toda era quase o mesmo de comprar outra. Sua substituta custou baratinho e já não viveu feliz para sempre comigo também. Mas, desde então, todas essas histórias e os conceitos por trás desse fenômeno me interessam.

Moral da história 2: a chaleira tinha um componente que é descontinuado nas mudanças de modelo. O secador de cabelo é feito com materiais mais baratos (e por isso custa mais barato), porém tem uma vida útil estimada mais baixa. Os brinquedos, muitas vezes, são relacionados a filmes do momento e serão descartados, mais pelas crianças, que já têm já uma nova paixão, do que pelas pessoas que gostariam que ele durasse e não conseguem trocar a bateria.

Todas essas histórias servem para ilustrar como essa prática é frequente no nosso cotidiano e está naturalizada nas nossas vidas. Se prestarmos atenção nelas e soubermos seu nome, talvez ela comece a se desnaturalizar. E esse é um dos passos para tentarmos encontrar meios de combatê-la da maneira que for possível, nas nossas escolhas de consumo; porque esse mundo já tá muito cheio de lixo. E se não fizermos a nossa parte, pensando uns nos outros, não sei quem fará. 

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Batatas para comer ou embalar? http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/03/01/batatas-para-comer-ou-embalar/ http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/03/01/batatas-para-comer-ou-embalar/#respond Sun, 01 Mar 2020 07:00:24 +0000 http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/?p=125 Sempre amei a ideia de biodegradável. Na faculdade, era fascinada com os primeiros plásticos (deveria dizer polímeros?) de batata, mandioca, beterraba… Achava incrível a ideia de você usar uma colher amarelinha linda e imaginar que ela viraria terra de novo. Pensava: “Por que o mundo não é todo assim? Por que todos os plásticos do mundo não são assim?”  

Outro dia, de novo, fiquei muito animada com o copo biodegradável de café que tomei aqui pertinho de onde trabalho. Comentei: “Que legal que o copo é biodegradável”. O desconhecido, que estava sentado ao meu lado, disse: “Você sabe, né? Na verdade, o biodegradável é só menos pior do que o plástico normal. Ele deixa de ser plástico em menos tempo do que o plástico normal, mas ainda assim, demora bastante…” 

Outro dia também comprei uma cápsula de café biodegradável porque ainda tento achar uma solução menos maléfica para o meu amor por café expresso. Coloquei a cápsula da composteira, quase que desafiando o desconhecido do parágrafo anterior, sem que ele soubesse… Mas eis que o café não era o melhor de todos e a cápsula, tirando a sujeira do composto todo do minhocário, ainda continua lá sendo cápsula, sem sinais de que vai deixar de sê-lo… Ela e o caroço da manga. 

Graças às duas experiências descobri que meu mundo ideal na faculdade, na verdade, era com postável, não biodegradável (palavras!). Todos os dois vão se decompor e deixar de existir um dia, porém esses tempos são realmente bem diferentes. E os benefícios para a terra onde serão descartados, também. Quando dizemos que algo vai se decompor, estamos dizendo que ele vai virar pedaços cada vez menores, até desaparecer por completo na natureza. 

Já um produto compostável é feito a partir de materiais mais naturais que vão contribuir com a riqueza da terra, já que não tem nada tóxico nele; eles tem um tempo de decomposição pequeno. Algo biodegradável, é algo que também vai se decompor, porém não é necessariamente bom para a terra porque não é feito somente de materiais naturais e o tempo de decomposição também não é necessariamente pequeno. Um exemplo: as sacolinhas de plástico tradicionais que pegamos no mercado (aquelas que foram proibidas mas seguem disponíveis por aí) demoram 100 anos para se decompor; as biodegradáveis, implementadas na época dessa proibição, dizem que se decompõe em apenas 2 anos. 

Então me apeguei no compostável. Mas, eis que em uma palestra que assisti, um moço fez essa pergunta: num país que tem fome, vale mais a gente usar a terra pra plantar tubérculos que servirão ao consumo ou que alimentarão pessoas? Sempre só pensei no plástico ali, se desfazendo em berço esplêndido na própria terra que ele nasceu; mas nunca tinha pensado nessa cena das plantações e plantações de tubérculos que virarão aquela embalagem de brinquedo impossível de abrir. Ou no copinho de café que me fez conhecer o moço das verdades antes desconhecidas a respeito do biodegradável.

Me deu um pouco uma sensação de desesperança, de não tem muito jeito… E, procurando informações sobre essas duas palavras, encontrei algo falando de talheres descartáveis inventados no México, que me tirou um pouco desse estado. Os talheres são feitos de caroço de abacate e se decompõe em 15 dias, dizem. O México é o maior produtor de abacate, não falta caroço por lá. Não tira a comida de ninguém, usa um material que seria descartado, nova esperança no ar…

Moral da história, entre ânimos e desânimos: se eu achava lá atrás que o biodegradável seria a solução de todos os nossos problemas, não acho mais. Mas na verdade, o que eu não acho mais é que haja uma única solução para todos os nossos problemas porque eles são muitos, então precisamos de muitas soluções. E as palavras biodegradável e compostável figuram sim entre essas soluções. 

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O verde, o consciente e o decrescimento http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/02/23/o-verde-o-consciente-e-o-decrescimento/ http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/02/23/o-verde-o-consciente-e-o-decrescimento/#respond Sun, 23 Feb 2020 07:00:48 +0000 http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/?p=121 Parei pra pensar esses dias na diferença de consumo verde e consumo consciente. Não acho que seja lá um vocabulário todo comum, pelo menos pra mim não é, e fiquei aqui pensando nos nomes e significados.

Entendi que consumo verde, como o próprio nome diz, é o mesmo consumo que a gente está habituado, só que verde. Isso quer dizer que compramos as mesmas coisas, mas apenas produtos que agridam menos o meio ambiente. Então entram no balaio: orgânicos, recicláveis, biodegradáveis e todo esse pessoal… 

Consumo consciente, por sua vez, propõe uma mudança na maneira como consumimos. Tá, você vai me dizer que mesmo o consumo verde também muda a maneira como consumimos, porque não é fácil encontrar produtos verdes e tem aqueles que nem nunca conseguimos encontrar na modalidade verde. E eu vou te dar razão.

Mas, no caso do consumo consciente, a ideia é que você só compre o necessário, que não sucumba à tentação do supérfluo e da fartura. O consumo consciente é um pouco amigo do pessoal que fala em23. Slow, em inglês quer dizer devagar; consumption, consumo. Reluto um pouco com palavras em inglês mas a ideia desse movimento me parece interessante, pois propõe que desaceleremos nosso ritmo de vida. Então, vamos comer com calma, vamos consumir com calma, vamos levar a vida com mais calma. 

Meu pai diz que tem livros que te dão tudo que você precisa saber no título. Diz ele que, às vezes, só de ler aquele título tudo já faz um sentido louco. Tem um que se chama “Pequeno tratado do decrescimento sereno”, que me deu um nome para um caminho que acho meio inevitável: de diminuição do consumo. Mas nesse caso, achei que valia pegar a mensagem toda além do título. 

Eis que ele é mesmo um tratado, com uma espécie de compromissos a serem assumidos, para quem acredita que a vida deva ser reduzida. Não reduzida no sentido de que você vai ficar lá quietinho e não vai mais fazer nada, mas no de que o necessário também pode te fazer feliz. Porque o mundo do compra-usa-descarta que vivemos, faz a gente sempre querer mais. O mundo do “descrescimento” faz a gente encontrar satisfação em lugares diferentes desse de sempre ter que ter mais. 

“A palavra de ordem ‘decrescimento’ tem como principal meta enfatizar fortemente o abandono do objetivo do crescimento ilimitado, objetivo cujo motor não é outro senão a busca do lucro por parte dos detentores de capital, com consequências desastrosas para o meio ambiente e portanto para a humanidade.” *

Apesar dos nomes serem diferentes, tem muito de consumo consciente no decrescimento sereno, pois ambos querem repensar e modificar a maneira como consumimos. Tem inclusive R’s no decrescimento (como no consumo consciente)! Tem oito R’s iniciais, mas a lista deles está aberta para quem quiser contribuir. Reavaliar, reconceituar, reestruturar, redistribuir, relocalizar, reinventar, redimensionar, remodelar, renunciar e repensar são alguns deles. Nossos conhecidos “reduzir, reutilizar, reciclar” também integram essa lista. 

Desde que comecei a escrever esta coluna, tenho ficado mais atenta ao que compro. Estou aqui ainda tentando não virar alguém que não consegue mais conviver com todas as coisas que percebo como “desajustadas” no mundo, mas tenho conseguido ampliar a gama de coisas que faço sem me podar muito a vida, e que acho que colaboram. Nunca mais comprei nada que tivesse isopor, por exemplo. E tenho conseguido reduzir bastante a quantidade de embalagens desnecessárias que consumia.

Continuo oscilando em achar que mudaremos o mundo com passos de formiga e achar que não faz diferença mesmo. Mas a primeira opção sempre vence a segunda, talvez não tão heroicamente ou ambiciosamente… Mas, cá estou eu, mais um domingo escrevendo sobre tudo isso, na crença de que um dê a mão para o outro (consumindo verde, consciente ou “descrescendo”…) e que uma hora a mudança aconteça. 

* Retirei esse trecho de lá do Pequeno Tratado do decrescimento sereno (Serge Latouche, Editora WMF Martins Fontes, 2009)

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O impacto escondido http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/02/16/o-impacto-escondido/ http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/02/16/o-impacto-escondido/#respond Sun, 16 Feb 2020 07:00:44 +0000 http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/?p=114 Esse é o título de um livro escrito por uma designer holandesa que se perguntava: como as pessoas podem fazer escolhas sustentáveis se elas não conhecem o real impacto do seu consumo? Para além do que sabemos do impacto no mundo dos produtos depois que eles são nossos, como ser reciclável ou biodegradável, a autora desse livro pesquisou a parte que vem antes disso; sua produção e distribuição. Então, se a gente se preocupa com a embalagem do leite ser reciclável ou retornável, ela se preocupa com o processo como um todo: desde as vaquinhas comendo no pasto, passando por como o leite é tirado, embalado e transportado; até ele chegar nas nossas xícaras.

A capa do livro*, vale dizer, é um iceberg. Ele simboliza que o que a gente sabe, é o que fica pra fora da água; e é muito pouco perto do que não sabemos, que é gigante e fica submerso. Enfim, uma espécie de “o buraco é mais embaixo…”.

O impacto escondido a que ela se refere é tudo que envolve a produção, transporte, distribuição do que consumimos. Mais especificamente: uso de água; uso da terra e o desmatamento; processamento de matérias primas; sobrecarga e esgotamento de recursos naturais, incluindo aí alimentos naturais como peixe e a degradação do seu habitat natural, assim como a diminuição da biodiversidade; emissões de gases maléficos para o planeta e para nós que vivemos aqui; o uso de energia fóssil e emissões de gases com efeito estufa como o CO2.

Em números, apenas 24% do impacto que causamos com nosso consumo é visível, os outros 74%, ficam na parte de baixo do iceberg. Eles se referem à emissões de gás carbônico (19%), diferentes tipos de poluição (28), uso da terra e desmatamento (29%).

Ela usou dados de consumo dos holandeses (o que eles compram e com que frequência) e classificou-os de acordo com seu impacto no planeta. Não entrou no ranking dela o pós–consumo, ou seja, quando o produto não tem mais utilidade para nós, só o seu uso e o que ela chamou de impacto escondido. 

Em ordem decrescente, os que mais causam impacto lá são: 1) bens de consumo como eletroeletrônicos, brinquedos, móveis…; 2) carne; 3) coisas relacionadas com moradia como energia elétrica, gás…; 4) automóveis; 5) todo tipo de comida que não é carne, ovos ou laticínios; 6) avião; 7) roupas e tecidos; 8) ovos e laticínios; 9) água da torneira; 10) transporte público.

No caso do primeiro colocado (bens de consumo), a maior parte do impacto diz respeito à diferentes tipos de poluição, incluindo aí um monte de emissão de CO2. Isso quer dizer que um celular, por exemplo, a princípio só faz a gente gastar energia para carregá-lo, certo? Talvez ele vire lixo depois que fica “antigo” e isso o faça também poluente. Mas a parte mais nociva do seu impacto aqui no nosso planetinha está na sua produção. Para fabricá-lo e transportá-lo, gasta-se e polui-se muito! Outro caso que vale registro é o da carne. Para produzir nossos bifinhos, acontece muito desmatamento, emite-se muito gás carbônico e gasta-se muita água. 

Conheci a pesquisa dessa moça numa palestra em São Paulo. Ela disse que ao vir para o Brasil de avião, tinha excedido a taxa de carbono que poderia emitir, então faria lá uma compensação para ficar dentro da taxa estipulada por ano quando voltasse. Contou que só viaja de bicicleta (sim, ela mora na Europa) com suas duas crianças pequenas, compra roupas usadas…

Eu sei que ela mora na Europa e que os contextos são muito diferentes a começar pelo tamanho do país e da população que vive lá, isso sem mencionar a distribuição de renda…; não tem muita comparação, eu sei, mas fiquei de novo pensando  se eu devia também fazer esses cálculos todos na vida aqui; se donos das companhias aéreas pensam sobre isso e se importam com o aquecimento global, se a casa deles já alagou numa dessas chuvas que as mudanças climáticas causam… Fiquei lá de novo me perguntando se as missões espaciais conseguiram chegar na lua, em marte, tirar foto dos anéis de saturno, será que não tem mesmo uma tecnologia capaz de emitir menos coisas terríveis no meio ambiente para que a gente possa desfrutar da globalização e da tecnologia, viajando por aí sem culpa?

Mas enfim, também me faz pensar em mais uma camada de coisas quando falamos de consumo consciente… A ideia dela é que nós, sabendo de todas essas coisas, possamos fazer escolhas menos impactantes. Se isso estivesse informado na caixinha do celular, por exemplo, será que mudaria algo? Se estivesse escrito na caixinha o quanto de CO2 ele emitiu até chegar ali, o quanto de água gastou, ou o quanto de metais foram extraídos ali… Enfim, um monte de informação, né? 

Acho que as mudanças podem vir de vários lugares: de iniciativas como a dela, seja na pesquisa, seja em suas ações para causar impactos; de uma legislação que taxe a emissão de gases, por exemplo, provocando uma mudança na fabricação de eletro eletrônicos; ou de empresas aéreas que invistam em tecnologia, pois existe todo um grupo de consumidores interessado em viajar de maneira mais sustentável. 

*A autora desse livro chama-se Babette Porcelijn. No site desse projeto tem tópicos bem interessantes dos assuntos tratados no livro e na pesquisa dela; tem também o livro em pdf (em inglês), para quem se interessar: https://thinkbigactnow.org/en/

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“Mais gente, mais mercado” http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/02/09/mais-gente-mais-mercado/ http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/02/09/mais-gente-mais-mercado/#respond Sun, 09 Feb 2020 07:00:45 +0000 http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/?p=107 Uma vez, a prima diplomata do meu marido me contou uma história da época que morava no Canadá. No Canadá, neva um monte no inverno. E a neve, quando derrete, é que igual ao gelo que fica na parede do seu congelador e, quando você esquece ele um pouquinho aberto, faz uma parede de gelo que uma parte fica grudada na parede e a outra derrete um pouquinho e faz uma camadinha fina em forma de chão do freezer, sabe? Assim, uma espécie de tapetinho de gelo, digamos. Mas, gelo derrete e fica lisinho; bom, tem patinação no gelo, né?  De tão lisinho que pode ficar.

Então, ela morava lá e nevou muito. E uma parte do gelo derreteu e ficou assim, que nem o chão do congelador, só que na rua em frente da casa dela. E ela, voltando pra casa um dia, viu a senhora que era sua vizinha limpando o gelo da frente da casa dela com mil aparatos e etapas… Tinha pá, tinha alguma coisa que quebrava ou derretia o gelo… Enfim, era um processo demorado aquele de limpar o gelo da calçada e ela pensou: “Ah, depois eu limpo”. 

E no mesmo dia, ou no dia seguinte, não me lembro, ela encontrou outra senhora de outra casa na mesma rua, ali no mesmo passo a passo de tirar o gelo. Neste momento, ela se deu conta que haviam muitos idosos ali e que o gelo escorregava. Seria uma temeridade não seguir o passo a passo que ela, neste ponto, já conhecia. Então, munida do equipamento necessário, iniciou o seu próprio passo a passo. E enquanto se livrava do gelo da frente da sua casa, alguns vizinhos passaram por ali e agradeceram o que ela estava fazendo. Um deles disse: “Obrigada por cuidar da nossa rua. Se não cuidarmos uns dos outros, ninguém fará”. E ela se comoveu. Eu também. 

E penso muito nisso quando penso nos assuntos todos que falo aqui. Porque sustentabilidade, economia circular, entre muitos outros, são ideias e conceitos que entendem nossa vida como coletiva, como sociedade, como um cuidando do outro. É difícil pensar no planeta porque não temos a dimensão dele como um todo, não? Parece impossível cuidar do planeta, não? Mas e se pensarmos em coisas que são nocivas para nós mesmos? No final, elas também dizem respeito ao planeta.

É difícil sairmos da lógica do compra-usa-descarta (que vai no caminho contrário desse pensar uns nos outros dos parágrafos acima) porque estamos habituados a viver assim há bastante tempo. Ainda que saibamos que não foi sempre assim. A coisa mais legal que eu aprendi estudando obsolescência programada (esse nome difícil para essa prática de compra-usa-descarta que se personifica no celular que a gente não consegue consertar e acaba jogando fora, trocando por um novo ou sei lá…), é que isso foi uma coisa imposta pelo mercado; venderam uma ideia pra gente de que temos que consumir sempre mais; e para isso temos que ser sempre mais para consumir sempre mais. Vivemos um tempo em que o crescimento era exponencial e talvez por um tempo pudesse mesmo ser, mas talvez esteja na hora de repensar essa premissa… Por que ela é a base do compra-usa-descarta nocivo.

Nos EUA, na década de 1950, tinha um relógio em Washington que marcava o número de nascimentos em tempo real; números azuis para nascimentos, vermelhos para mortes e um branco mostrando o “consolidado” da população. Ao lado do relógio, um cartaz com os dizeres “mais gente, mais mercado”, indicando que, na verdade, o número “consolidado” entre nascimentos e mortes era, na verdade, o número de consumidores e não de pessoas ou cidadãos, como poderia se pensar…

Li o livro do líder indígena Ailton Krenac outro dia, que tem e não tem a ver com o que acabei de falar. Lembrei dele porque fala de humanidade, nesse sentido do coletivo, que nem a rua da prima diplomata, que é dela e é de todos ao mesmo tempo. Recomendo muito a leitura (é um livro pequeno, com ideias maravilhosas) e reproduzo aqui um trecho: “Talvez estejamos muito condicionados a uma ideia de ser humano e a um tipo de existência. Se a gente desestabilizar esse padrão talvez a nossa mente sofra uma espécie de ruptura, como se caíssemos num abismo. Quem disse que a gente não pode cair? Quem disse que a gente já não caiu? (…) Então, talvez o que a gente tenha de fazer é descobrir um paraquedas. Não eliminar a queda, mas inventar e fabricar milhares de paraquedas coloridos, divertidos, inclusive prazerosos.”* 

Caminhamos até aqui e seguimos caminhando, sem voltar pra trás. E conhecer nossos erros e acertos, talvez nos ajude a pensar na maneira como vivemos agora, sem saudosismo, mas com sabedoria. Para termos poder de escolha e capacidade de mudança. Acho que estamos num momento de mudança grande, talvez em queda mesmo. Mas procuro acreditar também que somos capazes de inventar paraquedas de vários tipos; como pessoas, cidadãos, humanos, colegas de planeta, humanidade… Não como consumidores ou números.

*O livro é: Ideias para o fim do mundo; o autor Ailton Krenak. Companhia das Letras, 2019. E esses trechos são das páginas 57 e 63.

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Portas de entrada e saída http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/02/02/portas-de-entrada-e-saida/ http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/02/02/portas-de-entrada-e-saida/#respond Sun, 02 Feb 2020 07:00:03 +0000 http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/?p=102 Estava lendo esses dias sobre os novos carros da Tesla, movidos a energia elétrica. A empresa está ali entre as mais mais de valorização de mercado, o que significa que o pessoal tá apostando no carro elétrico. Isso porque ele é classificado como um transporte limpo, sem emissões de CO2 no nosso famigerado planeta. E, também, porque esse tipo de transporte está entre as metas de muitos países europeus. A Noruega, por exemplo, quer proibir a venda de carros movidos a gasolina ou diesel até 2025, então até este ano, vai tudo ser elétrico. França e Reino unido pensam em fazê-lo até 2040.

Enfim, essa coluna leva esse título porque, como escrevi no ano passado, o segundo caso que se tem notícia de obsolescência programada (aquele nome difícil para aquela situação familiar do celular que quebra e vale mais a pena trocá-lo do que consertá-lo) foi dos carros (o primeiro foi o da lâmpada).

Recapitulando: precisava movimentar a economia americana em crise e precisava vender mais. O pessoal começou a falar pra gente comprar mais. Fizeram as lâmpadas durarem menos pra gente comprar mais durante a vida; sugeriram de termos dois de tudo (duas casas, dois carros); sugeriram também termos o mais moderno; “esse modelo do ano passado tá caído, compra o desse ano; aliás, troca todo ano, tá?”, eles diziam. Sabe aquele rabo de peixe do carro que era lindo ano passado? Pois é, esse ano é horrível… Além do mais, ele quebrou e não consigo consertar…

E isso tudo, junto com outros ingredientes, ajudou a dar nesse nosso cotidiano de compra-usa-descarta, que está fazendo o mundo virar uma grande lixeira.

E tô repetindo tudo isso aqui hoje, porque a Tesla me fez pensar nessa coisa da entrada e da saída. Fomos apresentados à obsolescência programada pelas lâmpadas e carros e são elas que estão nos dando pistas da saída.

Sei lá, por um tempo, eu achei que os carros iam — ou deveriam — acabar. Ainda acredito que a solução está em transporte coletivo e transportes variados (de ferro e pluviais também) para pessoas e mercadorias. Acredito também que quanto mais compramos localmente, menos a gente precisa do transporte, mas enfim, isso é todo um outro assunto… 

Mas eis que o sistema que a Tesla apresenta, com uma promessa de updates sem termos que trocar o carro todo, é uma maneira de produzir artefatos que soam como um caminho a ser seguido. Contou-me o amigo do amigo, que tem um carro da Tesla, que acabou de fazer a atualização do sistema. Entre outras coisas, o update possibilita até ir para algum lugar sem que ele precise guiar o carro efetivamente, direção autônoma se diz. Eu sou do tempo da vitrola, ainda me aflige um pouco entrar num carro sem motorista, confesso; porém, o ponto disso tudo aqui não é esse. É a ideia de você querer muito (ou mesmo precisar) não guiar o carro e ele ir sozinho, e isso ser possível sem que seja necessário trocar o carro todo.

No meu mundo ideal, as coisas deveriam ser fabricadas e comercializadas desta maneira, pois evitaria muitos descartes desnecessários. E já que retomei a obsolescência programada, vou exemplificar com o celular: imagina só se a gente pudesse trocar uma parte pequena do celular; vamos lá na loja, trocamos um décimo dele por uma peça que nos permite ter mais memória, ser mais rápido e que custe também um valor correspondente ao seu tamanho. E assim não jogaríamos fora o celular todo, aliás nem jogaríamos ele fora; trocaríamos somente essa parte que precisa de atualização para que a vida possa continuar acontecendo nele. A peça velha fica ali na loja e é reaproveitada. 

A Tesla me faz pensar nessa maneira de fabricar produtos e também no investimento em tecnologia limpa. São duas coisas que, apesar de todas as ressalvas de estarmos falando de carros, traz pontos positivos, pois apresenta uma maneira de produzir que pode abrir portas para esse não descarte que acabei de falar; e traz também uma frota menos poluente.

E a lâmpada? A lâmpada era de filamento até outro dia, né? Aí descobriram que era meio ruim e trocaram tudo. E disse que essa é bem melhor, menos poluente e dura mais… Ó: o caminho de volta para chegar na porta que entramos, de novo. Ainda mais que, nesse caso, os soquetes continuam iguais. Não é que nem a nossa tomada de três pinos, né?

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Nostalgia rima com tecnologia? http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/01/26/nostalgia-rima-com-tecnologia/ http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/01/26/nostalgia-rima-com-tecnologia/#respond Sun, 26 Jan 2020 07:00:14 +0000 http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/?p=98 Falei de economia circular aqui outro dia e li alguns comentários que lembravam de um tempo — que eu também me lembro — em que a gente devolvia cascos de refrigerante e cerveja para comprar mais dos líquidos. 

De quando eu era criança — e detestava esse dia de ir no mercado e ficar na fila pra entregar garrafas de vidro, pegar um papelzinho que dizia quantas você tinha devolvido — até hoje, muita coisa mudou. E me pergunto se isso, que talvez pareça óbvio como solução, na prática, é mesmo viável. Isso porque naquele tempo, nossa vida ainda não tinha sido invadida pelo descartável. E quando atravessamos a fronteira do descartável, mudamos radicalmente a maneira como consumimos produtos e, principalmente como eles são produzidos e comercializados.

Tem um livro de 2001 que fala bastante da velocidade dos avanços tecnológicos e como isso interfere na nossa vida e como isso é irreversível. Sim, eu sei que um monte de gente fala disso, mas digamos que ele foi o primeiro que me emocionou. Tem uma frase que talvez tenha sido o primeiro convite que aceitei para estudar esses assuntos todos: “A crítica, portanto, é o modo de a sociedade dialogar com as inovações, ponderando sobre seu impacto, avaliando seus efeitos e perscrutando seus desdobramentos.” *

É um pouco como se tivéssemos adotado o descartável — encarando-o como uma nova tecnologia na época em que começou a vigorar – sem nenhuma crítica. Tudo normal na evolução das tecnologias, uma parte ainda caminha sem saber direito das consequências, uma parte faz avançar muito a vida das pessoas. No mundo da medicina, por exemplo, o descartáveis solucionaram uma imensidão de problemas. Um efeito colateral é o lixo. E o tempo todo, jogamos nos acertos e consequências e é preciso sempre avançar e recuar e assim por diante… Mas fato é que agora estamos lidando com essa consequência e é urgente que façamos.

No caso das embalagens de bebidas, por exemplo, existem empresas preocupadas com os retornáveis e existem algumas fazendo sua parte. Mas, salvo em tempos de crise em que a diferença do valor economizado com embalagens é relevante, muita gente prefere não precisar guardar vasilhames, colocar no carro ou ir de ônibus até o mercado devolver. 

Conversando com uma amiga que trabalhou muito tempo em um empresa muito grande de bebidas, ela me disse uma palavrinha mágica: conveniência. Nas pesquisas da empresa em que ela trabalhou, uma das coisas que não dava certo na devolução de embalagens era isso, acabava sendo inconveniente para o consumidor. E é que aí mora a sequela dos anos de descartáveis que vivemos. Depois de se habituar a não ter que devolver cascos, talvez não seja tarefa simples voltarmos a fazê-lo. 

Por isso, talvez não seja possível voltarmos ao tempo em que eu ficava na fila com a minha mãe para trocar os cascos de refrigerante, também não sei se seria o caso. Esse tempo porém, dá pistas para soluções contemporâneas de problemas contemporâneos que podem ser solucionados com tecnologias, também contemporâneas. O modelo de devolução de cascos, certamente poderia servir de base para, valendo-se do nosso presente e de todas as tecnologias disponíveis, propor maneiras de distribuição de bebidas que gerassem menos — ou quem sabe nenhum — lixo. Que olhasse criticamente o modelo de compra-uso-descarte vigente e propusesse uma nova maneira na produção, distribuição, consumo e pós consumo das bebidas, por exemplo. Que se pensasse na economia circular que se adequa ao nosso presente e não à economia linear que um dia também nos foi adequada. 

Da mesma maneira que houve uma mudança ali, logo depois daquele momento em que eu estava na fila com a minha mãe, há necessidade de uma mudança agora. E já que me lembrei desse livro que me trouxe um pouco aqui para todos esses assuntos, apesar de ele não ser exatamente novo, termino com a chamada que ele me fez: “Deixamos para pensar nos prejuízos depois, quando pudermos. Mas o problema é exatamente esse; no ritmo em que as mudanças ocorrem, provavelmente nunca teremos tempo para refletir, nem mesmo para reconhecer o momento em que já for tarde demais.” *

* O livro chama “A corrida para o século XXI: no loop da montanha russa”, da Editora Companhia das Letras. O autor é o Nicolau Sevcenko.

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Lixo zero? http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/01/19/lixo-zero/ http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/2020/01/19/lixo-zero/#respond Sun, 19 Jan 2020 07:00:58 +0000 http://liaassumpcao.blogosfera.uol.com.br/?p=93 Já ouviu falar em “Lixo Zero”? É uma inciativa, um movimento, uma filosofia, uma maneira de levar a vida, talvez, que busca reduzir a geração de lixo a zero. É também o nome de uma organização aqui do Brasil (Instituto Lixo Zero) e de outros países (Zero Waste) que seguem essa ideia (por isso L e Z são escritos em letra maiúscula) e promovem encontros, cursos, certificações e mais uma porção de coisas nesse sentido.

Oficialmente: “Uma meta ética, econômica, eficiente e visionária para guiar as pessoas a mudar seus modos de vida e práticas de forma a incentivar os ciclos naturais sustentáveis, onde todos os materiais são projetados para permitir sua recuperação e uso pós-consumo” (ZWIA – Zero Waste International Alliance).

Esse nome, confesso, me afastou da ideia umas tantas vezes. Porque geramos muito lixo, e pensar em gerar zero sempre me pareceu meio difícil – para não dizer impossível. Um pouco que nem dieta, quando a pessoa te diz que você não vai mais poder comer doce nenhum dali para frente, sabe? Ou não vai poder comer mais pão nenhum. Ou não vai poder beber mais nada. Lido melhor com “podemos tentar diminuir?”, ou então com “será que não dá pra evitar?”, ou ainda com “tudo bem, em vez de três pedaços, que tal se você comesse um só?”.

Eis que a ideia do lixo zero é essa mesma. Se você gera 10 de lixo, que tal pensar em reduzir? E, nossa, se você gerava 10 e agora gera 6, puxa, 6 é bem mais perto do que 0 e isso é bom, minha gente! Então a ideia do lixo zero não é exatamente zero (pelo menos não imediatamente), mas, digamos, o mais próximo de zero possível. Eu animo. Estou aqui na minha caminhada, diminuindo e evitando lixos desnecessários, rumo ao zero.

Vale aqui uma distinção de nomes: lixo e resíduos/rejeitos não são a mesma coisa, ok? Lixo é aquilo que não tem mais serventia mesmo, enquanto resíduo/rejeito, é algo que não te serve mais, mas que pode voltar a ser matéria prima ou que pode ter utilidade para mais alguém. A embalagem do presente que você ganhou no natal é resíduo se for encaminhada para reciclagem; mas a mesma embalagem é lixo, se juntar com o lixo orgânico da sua casa e for parar no lixão. O mesmo vale para o lixo orgânico: ele é resíduo se for para uma composteira e virar adubo, mas é lixo se juntar com a garrafa de suco que você jogou no lixo comum e que vai parar no lixão. Então, digamos, uma das diretrizes do pensamento lixo zero é a de que não ocorra a geração do lixo, no sentido de que não se misture resíduos recicláveis, orgânicos e rejeitos.

Oficialmente (mais uma vez): “Máximo aproveitamento e correto encaminhamento dos resíduos recicláveis e orgânicos e a redução – ou mesmo o fim – do encaminhamento destes materiais para os aterros sanitários e/ou para a incineração”.

No site do Instituto Lixo Zero aqui do Brasil, tem também os R’s que repetimos tantas vezes, só que lá eles são 4. Os três que ouvimos sempre falar (reutilizar, reduzir e reciclar), e o repensar (que é o primeiro da lista deles, vale dizer) que propõe “acabar com a ideia que os resíduos são sujos. Não descartar no lixo comum ou misturar materiais que poderiam ser reciclados”.

Acho que é uma mudança gradual, porque somos vários agentes geradores de lixo na sociedade e o sistema como um todo deve se adaptar às novas condições do planeta. No site também tem uma pergunta: “De quem são as responsabilidades?” E tem também a resposta: “indústrias, que produzem e desenham produtos; comércio, que vende produtos; consumidor, na extremidade final do sistema (consumo, uso e o descarte); governo, que intermedia/harmoniza a responsabilidade da comunidade com a da indústria”.

Uma das primeiras coisas necessárias para entrarmos nessa filosofia é pensar sobre o nosso lixo. Na verdade, pensar mais precisamente que ele não some depois que colocamos do lado de fora da nossa casa. Ele não deixa de existir e toma caminhos variados. Claro que ele pode ter um final feliz e ser reciclado. Mas o que acontece na maioria das vezes é que ele vai para um aterro onde recicláveis e não recicláveis, tóxicos e não tóxicos, ficam ali, numa montanha de lixo que não some e que vai crescendo.

Acabei de passar uma semana com amigos num sítio, onde o lixeiro não passa e fomos nós que levamos o lixo até um ponto de coleta. Na cidadezinha onde estávamos não tem coleta seletiva, fica o lixo todo ali junto, bem o oposto do que acabei de escrever acima. Resíduos e rejeitos que poderiam voltar à vida, ali, juntinhos com orgânicos, com o destino da montanha de lixo. Jogamos alguns sacos de lixo que geramos nesses dias na caçamba reservada para ele. Do lado dela, tinham duas televisões de tubo quebradas e uma porção de saquinhos de supermercado com pequenos lixos dentro, além de um colchão. Eu, que separo o lixo na minha casa, onde tem coleta, separei lá também. Mas não consegui trazer de volta porque não tinha lugar, então, acabei jogando os sacos todos juntos ali na caçamba. E não gostei de imaginar que estava ali contribuindo para isso que sei que é tão nocivo. Voltei, articulando um plano de levar os recicláveis na próxima volta de lá; ou de reduzir a quantidade. Voltei também um pouco pessimista, pensando que a responsabilidade disso não é só minha.

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