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Vim parar aqui por causa de uma vitrola

Lia Assumpção

01/10/2019 08h00

Vitrola? Pois é, eu sou do tempo da vitrola. Minha mãe tinha uma coleção de discos de vinil que reunia Rita Lee, Fagner e Ednardo e que ganhou a companhia de The Clash, Police e Pink Floyd quando ela se casou com meu padrasto, muito tempo atrás. Os discos moravam num baú e eu fingi vários shows em casa, sempre parando de cantar, para mudar o lado do disco.

Um dia, ali pelos meus 15 anos, chegou no mercado o CD, e meus melhores amigos discos de vinil perderam glamour e foram dando lugar para os CDs, menores, mais fáceis de guardar e, diziam, com uma qualidade de som muito melhor. Alguns pais de amigos mais modernos se desfizeram mesmo de todos os seus vinis. E aquilo me inquietou e virou meu trabalho de conclusão de curso na graduação em desenho industrial. Me inquietou por pensar pra onde iriam todos aqueles discos e pela impossibilidade de continuar ouvindo vinis porque as vitrolas quebravam e porque não lançavam mais vinis…

Me interessei pelo porquê dessa mudança, dessa coisa que nesse tempo tinha um nome ainda novo de globalização, modernização, aceleração ou sei lá. O fato é que o jeito como a gente lidava com as coisas estava mudando (como sempre muda, mas eu mesma me dei conta ali). Outros sinais disso foram: o computador que só tinha letrinhas verdes na tela preta e usava disquete acabou dando lugar a um monitor a cores muito lindo; ou ainda o fax, que começou a não fazer mais sentido quando tínhamos a internet. E lá fomos nós!

E isso tudo foi ficando guardado na minha mente, até que, uns anos atrás, quis que saíssem em forma de mestrado. E, dessa vez, todos esses pensamentos ganharam um nome: obsolescência programada. Uhu! Nome difícil pra uma coisa que todo mundo conhece: sabe seu celular? Quando ele quebra e você não acha assistência técnica ou, quando acha, vale mais a pena comprar um novo do que consertar porque vai demorar muito ou porque, pelo valor, você já aproveita para ganhar um pouquinho mais de espaço ou melhorar um pouquinho a velocidade ou mesmo a câmera? Ou ainda a promoção era muito boa e as parcelas não tinham juros? Pois é, isso muitas vezes leva este nome: obsolescência programada.

Fiquei surpresa ao descobrir que não foi sempre assim e que tudo isso começou com uma intenção até que boa (mas vou falar disso mais longamente num outro momento)… Também me surpreendi com o fato de que, apesar de muita gente não conhecer esse nome, todo mundo tem uma experiência com esse fenômeno, como esse exemplo do celular que falei umas linhas acima. Muita gente também tem uma crença, quase um misticismo, a respeito disso. Por exemplo: você acha que quando custa caro tem que durar? Ou acha que tudo quebra mesmo e é um pouco descartável, então vamos no mais barato e já já substituímos?

Então uma parte disso tem a ver com a indústria que não te ajuda muito na parte de consertar, outra parte tem a ver com um jeito que vivemos e que trocamos as coisas. Mas será que precisamos trocar assim tantas vezes? Já parou pra pensar por que você trocou de celular da última vez? Não te conheço, mas desconfio que a tal da obsolescência programada está envolvida pelos motivos que falei acima. E todos esses motivos, na verdade, são práticas de consumo que um dia nos ofereceram, nós aceitamos e nunca mais pensamos a respeito. Aí eu te proponho de pensar, sabe por quê? Porque, de lá pra cá, o mundo que tinha muita matéria prima foi ficando com menos dela e foi ficando cheio de lixo.

Sabe quanto de lixo a gente produz? E sabe que esse lixo não some? Ele fica aí com a gente durante anos. A coisa é que, antes, como era pouco, dava pra ele ficar escondido, e isso nos dava a sensação de ele não existir. Hoje, porém, tem tanto, que ele vai começar a ficar cada vez mais próximo de nós. Mas aqui gostaria de operar com o otimismo e a ideia não é culpar ninguém nem fazer ninguém achar que está fazendo tudo errado. A ideia é abrir um espaço para pensar essas coisas todas. Seja falando dessas ideias, conceitos e palavras que nos rodeiam, seja em ações que já existem e não sabemos, seja em novas perguntas…

Digo que a vitrola me fez parar aqui porque ela me trouxe perguntas para as quais não tenho muitas respostas, mas que me deram reflexões, ideias e opiniões que talvez façam sentido pra você aí na sua vida também. Vamos?

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Sobre a Autora

Lia Assumpção é designer, mestre em Arquitetura e Design pela FAU-USP, curiosa dos assuntos relacionados a consumo e sustentabilidade.

Sobre o Blog

Este blog é sobre consumo consciente porque nem tudo que é reciclável é reciclado. É escrito por uma designer, inquieta com a maneira como consumimos e descartamos coisas e crédula de que só uma iniciativa compartilhada entre indústria, poder público e consumidores conscientes pode alterar a lógica consumo-descarte vigente. A ideia aqui é falar sobre atitudes cotidianas, tentando um meio a meio entre reflexões e soluções práticas.


Lia Assumpção