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Lia Assumpção

O impacto escondido

ECOA

16/02/2020 04h00

Esse é o título de um livro escrito por uma designer holandesa que se perguntava: como as pessoas podem fazer escolhas sustentáveis se elas não conhecem o real impacto do seu consumo? Para além do que sabemos do impacto no mundo dos produtos depois que eles são nossos, como ser reciclável ou biodegradável, a autora desse livro pesquisou a parte que vem antes disso; sua produção e distribuição. Então, se a gente se preocupa com a embalagem do leite ser reciclável ou retornável, ela se preocupa com o processo como um todo: desde as vaquinhas comendo no pasto, passando por como o leite é tirado, embalado e transportado; até ele chegar nas nossas xícaras.

A capa do livro*, vale dizer, é um iceberg. Ele simboliza que o que a gente sabe, é o que fica pra fora da água; e é muito pouco perto do que não sabemos, que é gigante e fica submerso. Enfim, uma espécie de "o buraco é mais embaixo…".

O impacto escondido a que ela se refere é tudo que envolve a produção, transporte, distribuição do que consumimos. Mais especificamente: uso de água; uso da terra e o desmatamento; processamento de matérias primas; sobrecarga e esgotamento de recursos naturais, incluindo aí alimentos naturais como peixe e a degradação do seu habitat natural, assim como a diminuição da biodiversidade; emissões de gases maléficos para o planeta e para nós que vivemos aqui; o uso de energia fóssil e emissões de gases com efeito estufa como o CO2.

Em números, apenas 24% do impacto que causamos com nosso consumo é visível, os outros 74%, ficam na parte de baixo do iceberg. Eles se referem à emissões de gás carbônico (19%), diferentes tipos de poluição (28), uso da terra e desmatamento (29%).

Ela usou dados de consumo dos holandeses (o que eles compram e com que frequência) e classificou-os de acordo com seu impacto no planeta. Não entrou no ranking dela o pós–consumo, ou seja, quando o produto não tem mais utilidade para nós, só o seu uso e o que ela chamou de impacto escondido. 

Em ordem decrescente, os que mais causam impacto lá são: 1) bens de consumo como eletroeletrônicos, brinquedos, móveis…; 2) carne; 3) coisas relacionadas com moradia como energia elétrica, gás…; 4) automóveis; 5) todo tipo de comida que não é carne, ovos ou laticínios; 6) avião; 7) roupas e tecidos; 8) ovos e laticínios; 9) água da torneira; 10) transporte público.

No caso do primeiro colocado (bens de consumo), a maior parte do impacto diz respeito à diferentes tipos de poluição, incluindo aí um monte de emissão de CO2. Isso quer dizer que um celular, por exemplo, a princípio só faz a gente gastar energia para carregá-lo, certo? Talvez ele vire lixo depois que fica "antigo" e isso o faça também poluente. Mas a parte mais nociva do seu impacto aqui no nosso planetinha está na sua produção. Para fabricá-lo e transportá-lo, gasta-se e polui-se muito! Outro caso que vale registro é o da carne. Para produzir nossos bifinhos, acontece muito desmatamento, emite-se muito gás carbônico e gasta-se muita água. 

Conheci a pesquisa dessa moça numa palestra em São Paulo. Ela disse que ao vir para o Brasil de avião, tinha excedido a taxa de carbono que poderia emitir, então faria lá uma compensação para ficar dentro da taxa estipulada por ano quando voltasse. Contou que só viaja de bicicleta (sim, ela mora na Europa) com suas duas crianças pequenas, compra roupas usadas…

Eu sei que ela mora na Europa e que os contextos são muito diferentes a começar pelo tamanho do país e da população que vive lá, isso sem mencionar a distribuição de renda…; não tem muita comparação, eu sei, mas fiquei de novo pensando  se eu devia também fazer esses cálculos todos na vida aqui; se donos das companhias aéreas pensam sobre isso e se importam com o aquecimento global, se a casa deles já alagou numa dessas chuvas que as mudanças climáticas causam… Fiquei lá de novo me perguntando se as missões espaciais conseguiram chegar na lua, em marte, tirar foto dos anéis de saturno, será que não tem mesmo uma tecnologia capaz de emitir menos coisas terríveis no meio ambiente para que a gente possa desfrutar da globalização e da tecnologia, viajando por aí sem culpa?

Mas enfim, também me faz pensar em mais uma camada de coisas quando falamos de consumo consciente… A ideia dela é que nós, sabendo de todas essas coisas, possamos fazer escolhas menos impactantes. Se isso estivesse informado na caixinha do celular, por exemplo, será que mudaria algo? Se estivesse escrito na caixinha o quanto de CO2 ele emitiu até chegar ali, o quanto de água gastou, ou o quanto de metais foram extraídos ali… Enfim, um monte de informação, né? 

Acho que as mudanças podem vir de vários lugares: de iniciativas como a dela, seja na pesquisa, seja em suas ações para causar impactos; de uma legislação que taxe a emissão de gases, por exemplo, provocando uma mudança na fabricação de eletro eletrônicos; ou de empresas aéreas que invistam em tecnologia, pois existe todo um grupo de consumidores interessado em viajar de maneira mais sustentável. 

*A autora desse livro chama-se Babette Porcelijn. No site desse projeto tem tópicos bem interessantes dos assuntos tratados no livro e na pesquisa dela; tem também o livro em pdf (em inglês), para quem se interessar: https://thinkbigactnow.org/en/

Sobre a Autora

Lia Assumpção é designer, mestre em Arquitetura e Design pela FAU-USP, curiosa dos assuntos relacionados a consumo e sustentabilidade.

Sobre o Blog

Este blog é sobre consumo consciente porque nem tudo que é reciclável é reciclado. É escrito por uma designer, inquieta com a maneira como consumimos e descartamos coisas e crédula de que só uma iniciativa compartilhada entre indústria, poder público e consumidores conscientes pode alterar a lógica consumo-descarte vigente. A ideia aqui é falar sobre atitudes cotidianas, tentando um meio a meio entre reflexões e soluções práticas.