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Lia Assumpção

Não use a palavra sustentabilidade em vão

ECOA

08/12/2019 04h00

Tenho sempre a impressão que sustentabilidade, aos poucos, foi virando uma palavra e não um conceito. Muita gente usa sustentabilidade quase como um elogio: "minha confecção de roupas é sustentável" ou "nossas embalagens são sustentáveis". É difícil ser sustentável (no sentido completo do conceito) porque, infelizmente, ainda não vivemos num mundo em que essas ideias estão verdadeiramente assimiladas. As ideias de sustentabilidade estão aí, mas muitas vezes de maneira superficial, outras de maneira parcial. Porque sustentabilidade tem a ver com harmonizar desenvolvimento econômico e conservação ambiental, e isso não é tarefa simples no mundo guiado pela lógica do comprar-usar-descartar que vivemos. Às vezes fico aflita com o uso exagerado da palavra sustentabilidade, pois ele pode enfraquecer (ou talvez "comercializar") o seu real significado. Pode ter por aí também quem a use como palavra, com uma boa intenção, mas sem saber o seu real significado. 

Sustentabilidade baseia-se em questões ambientais, mas também em questões sociais e econômicas. Ser sustentável tem a ver com pensar que esse mundo que a gente vive agora será de outros no futuro, quando a gente não estiver mais aqui. E a ideia é que a gente deixe esse mundo em perfeito estado para esse novo pessoal que chega, as novas gerações. Assim, que nem quando a gente empresta alguma coisa de alguém e devolve igualzinho quando pegou. 

Esse conceito está aí com a gente, de um jeito mais presente, desde 1992 quando aconteceu em a Eco 92 lá no Rio de Janeiro. Essa foi a segunda grande conferência mundial para pensar meio ambiente. A primeira foi a Conferência de Estocolmo, que aconteceu em 1972 . Nesses encontros, a grosso modo, uma porção de representantes de países das mais variadas partes do globo se encontrou para compartilhar problemas e procurar soluções para questões ambientais. Entre outras coisas, falou-se muito sobre efeito estufa, desmatamento e contaminação das águas na Eco 92, por exemplo. Nesses encontros, os países participantes assumem compromissos que garantiriam um desenvolvimento sustentável desse nosso mundo aqui. De 92 pra cá, esses compromissos mudaram um pouco e, atualmente, a ONU estabelece 17 objetivos para um desenvolvimento sustentável, que são:

  1. Erradicar a pobreza; 2. Acabar com a fome; 3. Vida saudável; 4. Educação de qualidade; 5. Igualdade de gênero; 6. Água e saneamento; 7. Energias renováveis; 8. Trabalho digno e crescimento econômico; 9. Inovação e infraestruturas; 10. Reduzir as desigualdades; 11. Cidades e comunidades sustentáveis; 12. Produção e consumo sustentáveis; 13. Combater as alterações climáticas; 14. Oceanos, mares e recursos marinhos; 15. Ecossistemas terrestres e biodiversidade; 16. Paz e justiça; 17. Parcerias para o desenvolvimento.

Não cabe aqui entrar nos pontos específicos de cada item, mas acho interessante listá-los para ilustrar as coisas que não têm estritamente a ver com meio ambiente, mas com um bem-estar coletivo que estão ali nesses compromissos todos da sustentabilidade.

Sempre que leio a palavra sustentabilidade na vida cotidiana, penso nesses pontos. No meu entender, quando usamos a palavra sustentável, estamos comunicando que, como governo, empresa ou cidadão, também nos comprometemos com todos esses pontos, não apenas um. Então, se as cápsulas são biodegradáveis, mas não existe igualdade de gênero na empresa, a coisa não é completamente sustentável. Da mesma maneira, se eu uso produtos orgânicos mas as embalagens são todas descartáveis, não é completamente sustentável. Nesses casos, dá pra dizer que tem muitas empresas e iniciativas atentas, preocupadas ou procurando maneiras de ser sustentável. E iniciativas no caminho da sustentabilidade são muito melhores do que qualquer iniciativa dentro da lógica vigente do comprar-usar-descartar. Quanto mais a sustentabilidade não for apenas uma palavra ou um elogio, mas um conceito com muitas das palavras dessa lista de objetivos que a ONU estabelece, mais próximo dessa tão almejada sustentabilidade estaremos.

Olhando as empresas que se dizem sustentáveis e pensando nesse conjunto de compromissos e palavras, fica difícil defini-las como sustentáveis, no sentido completo do conceito. Claro que tem muita gente fazendo muita coisa bacana por aí e eu ainda faço umas colunas contando de muitas delas… Mas tem muita gente usando a palavra sustentabilidade em vão, deixando de lado parte importante do conceito. Porque ele só é completo quando abarca o meio ambiente (os materiais, as maneiras de produzir), o social (o bem estar e das pessoas envolvidas na atividade, assim como um pensamento num bem-estar geral da sociedade ou humanidade como um todo) e o econômico (que de uma certa maneira deveria considerar os aspectos anteriores, pois não dá para girar a economia em detrimento de pessoas ou do meio ambiente, ou seja, se é barato porque tem trabalho escravo, não vale; ou ainda, desigualdades no processo de produção de algo que aumentam a desigualdade de países, por exemplo, também não vale). 

De uma certa maneira, estamos todos aprendendo a ser sustentáveis, em grande ou pequena escala. Não acho que esse texto dê conta de explicar a amplitude do conceito, mas serve talvez para pensá-lo numa ideia maior que uma palavra ou um "elogio" como às vezes parece… Eu ainda faço uma camiseta com os dizeres "você sabe o que quer dizer sustentável?".

Sobre a Autora

Lia Assumpção é designer, mestre em Arquitetura e Design pela FAU-USP, curiosa dos assuntos relacionados a consumo e sustentabilidade.

Sobre o Blog

Este blog é sobre consumo consciente porque nem tudo que é reciclável é reciclado. É escrito por uma designer, inquieta com a maneira como consumimos e descartamos coisas e crédula de que só uma iniciativa compartilhada entre indústria, poder público e consumidores conscientes pode alterar a lógica consumo-descarte vigente. A ideia aqui é falar sobre atitudes cotidianas, tentando um meio a meio entre reflexões e soluções práticas.