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Lia Assumpção

Todos somos designers ou design para todos

ECOA

15/03/2020 04h00

Recebi semana passada o link de um texto que leva o título de "O lixo é um problema enorme. A reciclagem não é a solução". Basicamente, o texto diz que a reciclagem é o sintoma de um sistema todo errado: o sistema linear do consumo e descarte (oposto ao circular), que tem por característica principal a descartabilidade das coisas. E tem dados: "De acordo com o Banco Mundial, produzimos 1,4 bilhão de toneladas de resíduos por ano em todo o mundo; e esse número deve aumentar para 2,4 bilhões de toneladas até 2025."

O texto fala do lixo, do ponto de vista do design. Uma parte dele leva o nome de design centrado no usuário que é guiado, de maneira geral, por quatro ideias: concentrar-se nas pessoas; resolver o problema e não os sintomas; tudo faz parte de um sistema: desenhar/projetar para o sistema; criar protótipos, testar e refiná-los para que sejam eficientes. 

Reciclagem é pensada para o usuário? É uma das perguntas feitas e respondidas ali: Não. Não porque a reciclagem não é um processo simples em nenhuma das suas etapas: nem na parte da separação do lixo, nem na parte da destinação correta e nem na parte das indústrias mesmo que tenham essa tecnologia. São muitos materiais e muito tipos de processos de reciclagem diferentes.

Então, sendo a reciclagem um sintoma, o sistema todo é que deveria ser modificado, de maneira a não precisar da reciclagem. Como quando você tem uma lesão por algum movimento que repete sempre e toma remédios para aliviar a dor; na verdade, você deveria corrigir sua postura ou modificar a maneira como faz determinada coisa para evitar que a dor aconteça e não precisar tomar remédios (ia citar um exemplo de gripe mas como só se fala em corona, resolvi preservar o ambiente aqui…)

A palavra design poderia ser traduzida literalmente como desenho, mas para a profissão, fica pouco; porque ela deveria significar também projetar. Existem muitas definições de design, mas uma mais oficial, é a que o define como "o estratégico processo de resolução de problemas que impulsiona a inovação, constrói o sucesso de um negócio e leva a uma melhor qualidade de vida por meio de produtos, sistemas, serviços e experiências inovadoras". Diz ainda que designers valorizam (ou deveriam valorizar) o impacto econômico, social e ambiental do seu trabalho, contribuindo para a criação coletiva de uma melhor qualidade de vida.

Designers desenham coisas e quase todas as coisas que usamos, foram desenhadas (por designers ou não designers). O ponto todo é que se pensarmos nos produtos sistemicamente, deveríamos pensar no seu descarte. Na verdade, deveríamos pensar no seu NÃO descarte; em como incluí-lo no início de um novo processo, talvez…

E porquê eu falei tudo isso aqui? Porque tudo que a gente interage no mundo foi eventualmente desenhado por alguém. Gosto muito de um povo que acredita que todo mundo é um pouco designer; que quando você muda a posição dos móveis da sua sala, quando monta um carro de lego com seus filhos ou arruma os arquivos do seu computador, você está ali tocando em design de alguma maneira. Isso não desmerece quem é profissional na área e nem torna a todos designers profissionais. Mas nos dá uma ideia de que nessa interação, podemos provocar mudanças em alguma parte do processo.

Tem uma outra área (mas que na verdade também faz parte do cerne da profissão, uma vez que objetos de design são sempre feitos para a sociedade) que é a função social do design. O livro que leva este título, O papel social do design gráfico, de Marcos da Costa Braga, tem uma frase que sempre penso que é: se cada um se conscientizar de sua função social e exercê-la de maneira ética e eficaz, estará contribuindo para uma sociedade melhor.

Pra mim, função social é uma outra maneira de dizer: prestemos atenção uns nos outros e pensemos uns nos outros quando decidirmos coisas. No mundo do design, isso está na escolha de materiais, está na maneira como o produto será pensado para durar ou não durar, em como as pessoas o usarão, entre uma porção de outras coisas… E em cada profissão, ela se dá de um jeito.

Não acho que o design vai salvar o mundo (nem nenhuma outra profissão), mas acho somos muitos, atuando profissionalmente, ou não, difundindo uma visão mais sistêmica das coisas. E se ideias de sistemas que gerem coisas positivas para todos estiverem presentes em alguma parte dos processos todos de trabalho por aí, poderemos atacar problemas e não sintomas, para usar os termos do texto que li. Onde estão os pioneiros que ajudarão a virar o script em nosso mundo descartável?

Sobre a Autora

Lia Assumpção é designer, mestre em Arquitetura e Design pela FAU-USP, curiosa dos assuntos relacionados a consumo e sustentabilidade.

Sobre o Blog

Este blog é sobre consumo consciente porque nem tudo que é reciclável é reciclado. É escrito por uma designer, inquieta com a maneira como consumimos e descartamos coisas e crédula de que só uma iniciativa compartilhada entre indústria, poder público e consumidores conscientes pode alterar a lógica consumo-descarte vigente. A ideia aqui é falar sobre atitudes cotidianas, tentando um meio a meio entre reflexões e soluções práticas.